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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

“Não existe medicamento para burlar a Lei Seca”

Gerente do laboratório fabricante do Metadoxil rebate uso da droga para anular álcool no sangue e diz que misturar bebida e direção resulta em morte

Em 2008, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou o uso e a venda do Metadoxil. É um medicamento derivado da vitamina B6, indicado para tratar as sequelas do fígado de consumidores abusivos de álcool, mas que ganhou a fama de ser capaz de enganar os agentes de trânsito e o bafômetro.

Isso porque, no mesmo ano do lançamento do produto, o governo federal promulgou uma legislação que endurecia a pena e a multa para quem fosse flagrado dirigindo após consumir, ainda que moderadamente, bebidas alcoólicas.

Já naquela época, informações controversas sobre o Metadoxil começaram a pipocar na internet, nos bares e nas casas noturnas. As notícias davam conta de que um comprimido da caixinha seria capaz de anular, em 60 minutos, a presença de álcool no organismo e assim permitir que motoristas alcoolizados burlassem a fiscalização da lei.

Quase cinco anos se passaram e a fama do remédio voltou à tona com a decisão federal de endurecer ainda mais o rigor da Lei Seca. O iG Saúde entrevistou o gerente médico do laboratório Baldacci, fabricante do Metadoxil, para entender se a droga – que só pode ser vendida mediante apresentação de receita médica –  de fato coloca em xeque as informações do bafômetro. "Não", responde o cardiologista Paulo Roberto Chiazzola, há um ano à frente da farmacêutica.

Ele rebate veementemente o mau uso da medicação, decidiu alertar sobre a utilização inadequada da medicação nas redes sociais e já começou uma campanha contra a fama conquistada pelo remédio. Na entrevista, ele diz que “não existe medicamento para burlar a Lei Seca e que não há remédio para álcool e direção”. Segundo ele, o resultado da mistura é a morte. “É o que eu vejo, infelizmente, todos os dias”, lamenta.

Leia a entrevista

iG Saúde: A fama de que o Metadoxil pode burlar a lei seca é prejudicial?

Chiazzola: Sim. Nossas evidências científicas mostram que é um excelente medicamento, com ação farmacológica, utilizado como parte do tratamento do alcoolismo, uma doença séria. O mau uso da droga é muito ruim para o laboratório e também para quem precisa usar a medicação. Parece que a única finalidade dos comprimidos é essa (burlar a lei seca), quando sabemos que o objetivo é outro. Todas as drogas existentes são mal utilizadas. Só para citar um exemplo, temos o Viagra, voltado para homens que têm um problema sério de disfunção erétil, mas também é usada por jovens sem queixa que só querem potência sexual a qualquer custo. A população acaba com acesso indevido aos medicamentos, o que é muito ruim. O Metadoxil não está isento de efeitos adversos se for usado inadequadamente (taquicardia e comprometimento do fígado são alguns). Ele age no sistema nervoso central e tem ação no fígado. O propósito é acelerar a função hepática no processo de metabolizar o álcool e outras substâncias tóxicas, indicado para quem já tem lesões no órgão ou está profundamente intoxicado pela bebida alcoólica. Por ter este fim, surgiu esta associação de que ele seria capaz de burlar a Lei Seca.

iG Saúde: O laboratório, além do público consumidor, também prepara uma carta de esclarecimento para os médicos. Por que decidiram alertar também os profissionais?

Chiazzola: Se o médico não tem uma boa orientação em relação aos medicamentos, após a primeira notícia da imprensa leiga, ele passa a desconsiderar a droga para o tratamento do alcoolismo. O profissional pode acreditar que é uma ‘medicação do bafômetro’, como tem sido chamada, e isso não existe, não há medicamento capaz de burlar a Lei Seca. O uso pode até acelerar a metabolização do álcool, mas não faz da pessoa um não infrator da legislação. A recomendação dos policiais, inclusive, é que o motorista espere 12 horas para dirigir, caso tenha bebido. Não há mágica.

iG Saúde: E vocês conseguiram identificar como foi a origem desta divulgação de que é um remédio para a Lei Seca? Em alguns relatos, os usuários dizem que a indicação, não oficial, partiu de médicos e farmacêuticos.

Chiazzola: Não sabemos de onde surgiu esta fama. Não posso negar que a utilização acelera a metabolização do álcool, mas isso não indica que a pessoa pode continuar bebendo. A abstinência é uma condição para os efeitos positivos do medicamento. Estou no laboratório há um ano, não fiz parte do lançamento, mas quando cheguei ao laboratório fiz reuniões para que relançássemos o produto para afastar essa associação de enganação da lei seca. As evidências científicas mais sólidas que temos mostram que a droga melhora doenças hepáticas já instaladas. Já temos dados também que ela pode ser uma ferramenta para diminuir a vontade de beber, pois atua no cérebro junto aos receptores cerebrais. Mas tudo isso dentro de um tratamento médico, com orientações especializadas.

iG Saúde: O tratamento do alcoolismo é complexo, multifatorial, e os especialistas reclamam que ainda são restritas as opções terapêuticas e quase sempre são exigidas ações diversas. O medicamento de vocês trata o alcoolismo?

Chiazzola: O alcoolismo tem alguns estágios de evolução. O que temos na prática diária é um uso crescente do álcool e uma sociedade que negligencia o consumo abusivo e deletério quando ele não está em uma fase de dependência crônica. Mas antes de chegar ao alcoolismo crônico, já são muitas sequelas importantes. Existe uma propaganda intensa que incentiva o uso de álcool. Os jovens se divertem, confinados em quartinhos, só consumido bebida. As complicações cardíacas e hepáticas resultantes desse uso abusivo são desconsideradas até mesmo pelos médicos. Dificilmente, os clínicos perguntam aos seus pacientes sobre o histórico de uso de bebida. Pois bem, primeiro precisamos alertar que o consumo deletério de álcool é nocivo em qualquer fase e causa dano. O Metadoxil é uma excelente ferramenta indicada, por médicos, para situações em que é constatado um consumo elevado de álcool, em uma fase em que os danos sociais, como desestrutura familiar, ainda não apareceram, mas já há sinais de comprometimentos físicos na função hepática.

iG Saúde: Nesta campanha, vocês pretendem acionar a ANVISA e o Conselho de Farmácia para coibir a venda sem prescrição e o mau uso?

Chiazzola: Não elaboramos nenhuma ação direcionada, mas esperamos que a fiscalização sanitária e os farmacêuticos cumpram seu papel. Não há remédio para álcool e direção. Não é proibido beber, mas é proibido beber e dirigir. A mistura de direção e álcool resulta em morte. É o que eu vejo infelizmente todos os dias. Jovens que não chegam em casa porque morreram no caminho. Por isso, somos favoráveis a Lei Seca rígida.

Fonte: iG Saúde

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